Parte 2: Inteligência Artificial – Inimiga ou Aliada?

por | 4 mar 2022 | Inteligência Artificial

Parte 2 – Momento Atual

De que forma as empresas têm se utilizado da IA para servir mais e melhor os consumidores? Quais as áreas que mais aplicam IA atualmente?


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Com o surgimento de Big data (grandes volumes de dados) e os preços de processamento, memória e armazenamento despencando, a expansão da IA foi se tornando realidade. A verdade é que já há muito tempo respiramos IA sem nos darmos conta. Quando usamos o Waze para traçar as melhores rotas com base em condições históricas e momentâneas de trafego, as tarifações dinâmicas do Uber, as recomendações de filmes do Netflix, do Spotify, nos sites de varejo, o critério de exibição de posts (em tempo real) quando deslizamos o dedo no feed das mídias sociais, ao usar um site de busca, ao falar com a Alexa, ou quando pedimos uma análise de crédito em um banco, uma análise de risco para solicitar uma apólice de seguro, as milhares de campanhas de marketing que chegam até nós todos os dias e por aí vai, já é uma lista gigante.

Pode parecer sombrio, mas a realidade é que o mundo é fortemente dependente de IA, a ponto de parecer que já estamos predestinados a um modelo de escravidão tecnológica por tantas comodidades que adotamos. Sem falar que na ótica corporativa, podemos crer que muitas organizações gigantes seriam inexpressivas ou até desapareceriam se não pudessem contar com IA. Apesar dela, já estar mudando nossas vidas, tudo isso é quase irrelevante quando olhamos para as tantas possibilidades que a inteligência artificial ainda pode entregar a humanidade. É totalmente leviano dizer que hoje o mundo já tem mapeadas todas as aplicações úteis de IA. Humildemente, acredito que ainda não conhecemos nem 5% das possibilidades de aplicações, bem como atribuo o mesmo percentual em relação ao potencial de sofisticação nas condições de uso dos algoritmos de IA. Por outro lado, sabemos que nem tudo são flores, lidar com vieses ainda é um desafio enorme para os sistemas que usam IA e possivelmente, a utilização ética da IA é o tema mais debatido no momento.

Se o sistema aprende com dados (ações geradas) por humanos em determinados contextos, sob condições particulares, é isso que a máquina vai aprender. Em outras palavras, dados gerados em condições peculiares, munidos de algum preconceito, preferência, ou má fé, uma possível decisão inoportuna e até desastrosa pode realmente acontecer nos sistemas que absorveram dados “ruins”, como base de treinamento. Vale reforçar, não é o sistema de IA que gera vieses, ele apenas atribui um padrão aos dados que recebeu como fonte de informação. “Se entra lixo, sai lixo”. Outro ponto, não bastam grandes volumes de dados para aprendizado, a adequação de um modelo estatístico depende da qualidade dos dados de treino, testes, validação e estes, idealmente serem íntegros, pouco perecíveis, com variedade e granularidade suficientes, enfim confiáveis e úteis.

Algumas áreas merecem destaque, pois vêm se mostrando muito fortes na aplicação de inteligência artificial:

1 – Saúde e biotecnologia
A visão computacional da IA pode auxiliar, por exemplo, na análise de exames para detectar anomalias. Um estudo publicado na revista científica Annals Of Oncology mostra que a IA superou médicos da França, Alemanha e Estados Unidos na detecção de imagens de câncer de pele.

Cerca de 12% das startups brasileiras de inteligência artificial focam no segmento de Saúde e Biotecnologia.

2 – Recursos humanos e gestão pessoal
São várias as empresas que já usam IA para aumentar a eficiência das contratações, atração e retenção. Na empresa Jobecam, que aplica inteligência artificial no seu dia a dia, as entrevistas são “as cegas” por vídeos, eliminando os vieses inconscientes dos recrutadores. O processo de contratação é 100% digital e totalmente aderente ao senso de diversidade.

3 – Indústria 4.0
Se a visão computacional, no reconhecimento de imagens pode ajudar em diagnósticos de saúde, na indústria essa mesma visão pode ser muito útil para um centro de distribuição, um armazém, na contagem e classificação de produtos. Assim como, monitorar máquinas oferecendo a possibilidade de manutenções preditivas ao menor sinal de desgaste de uma peça, algo muitas vezes difícil de fazer sem sensores com IA. Isso é algo capaz de gerar muitas economias aos empresários, minimizando o risco de interrupção de uma produção.

4 – Agricultura
Por muito tempo, a agricultura se baseou em teorias, tradições e em previsões meteorológicas pouco assertivas para saber quando choveria ou ainda, quais nutrientes e em qual quantidade uma plantação estaria necessitando em determinado momento.

Hoje é possível não apenas ter mais precisão em que regiões irá chover e em que momento, mas utilizar a visão computacional para monitorar e analisar em tempo real como está a lavoura, medir nutrientes de uma planta a partir de registro digital de uma folha, carbono no solo, etc.

Aliás, recentemente a gigante John Deere anunciou seu novo modelo de trator que dispensa um motorista, ele faz uso de alguns pares de câmeras e possui inteligência artificial embarcada para perceber o ambiente que está e traçar seu caminho por conta própria a partir de algumas coordenadas como alvo. Ele tem a capacidade de arar o solo, semear, evitar obstáculos à medida que trafega e sem falar que um agricultor pode passar novas instruções ao trator usando um aplicativo no smartphone – parece eficiente? Certamente, este ambicioso projeto ainda tem muito para evoluir, mas parece já esboçar um futuro que dispense parte do esforço humano em atividades mais operacionais.

Algo parecido acontece com os trabalhos mais burocráticos, estes também estão sendo colocados a prova pelos softwares com a inteligência artificial. Um dos inúmeros projetos do JP Morgan que utiliza IA, transformou análises de acordos de empréstimos que consomem em média, 360 mil horas de trabalho por ano de advogados e agentes de crédito, em apenas alguns segundos.

Da mesma forma que a transformação digital com IA é fantástica e motivadora, essa combinação também promete gerar um efeito voraz na sociedade e nos negócios. Quem negligenciar este cenário, ao que tudo indica, pode acabar se distanciando das melhores oportunidades profissionais. Isso não quer dizer apenas que um gerente irá perder seu cargo para um sistema de analytics e inteligência artificial, mas pode sim perder a vaga para um gerente que lida bem com todas estas tecnologias.

Os efeitos colaterais da hiper automação de processos, robotização e aprendizado de máquina certamente deixarão muitas vagas de trabalho sem propósito ou absurdamente ineficientes, quando na comparação de desempenho e precisão de uma máquina/software. E de quebra, uma desoneração na folha de pagamentos da companhia.

A Deloitte ousou em divulgar um estudo recente concluindo que nos próximos 20 anos, cerca de um terço dos empregos no Reino Unido pode deixar de existir em virtude da automação. Outros estudos em outros países sugerem que a inteligência artificial pode gerar uma reengenharia social em larga escala. É claro, outras funções e atribuições surgirão, mas ainda é pouco palpável colocar isso numa balança em pé de igualdade.

É importante dizer, nem sempre esse movimento de automação é fácil quanto parece, a expansão de sistemas (robôs) requer uma cultura organizacional favorável, uma aptidão digital dos funcionários, investimentos não apenas de aquisição e adoção, mas nas manutenções destes sistemas/robôs. Por outro lado, algumas características da robotização seduzem os empresários atenciosos ao capitalismo e que também buscam, é claro, a redução de desgastes emocionais com seus funcionários: sistemas podem produzir em 24×7, não ficam indispostos, desengajados, não precisam de férias, décimo terceiro salário, não fazem greve e até o atual momento não são sindicalizados. Essa lista pode ser ainda maior dependendo do perfil da operação e cultura da organização.

Lá em 2018, a Amazon, de Jeff Bezos já dizia ter mais de 100.000 robôs em seus centros de distribuição, certamente, este número já é radicalmente maior, e mais cedo ou mais tarde, isso tende a acontecer em vários segmentos, a busca por redução de custos e o aumento da eficiência são primordiais para sobrevivência de uma empresa, em especial em um mundo cada vez mais globalizado e disputado.
Abstraindo da IA, simplesmente a digitalização e a automação já eliminaram muitos empregos tradicionais como ascensoristas, telefonistas e analistas que lidam com muita burocracia. Com a sofisticação da automação que a IA proporciona, as atividades repetitivas, mecânicas e operacionais tornam-se alvo. Os sistemas mais inteligentes têm indiscutível vantagem comparados a um humano, por exemplo em tarefas onde é necessário analisar grandes volumes de dados e correlacionar diversas variáveis, para encontrar um padrão que pode ser insumo para uma tomada de decisão.

Vale reforçar que um sistema (robô) nunca será realmente “inteligente”, se tivermos por base uma inteligência biológica, o sistema tomará ações com base em aprendizados (algo que já aconteceu em escala) a partir de dados gerados por outras máquinas ou por humanos. Os algoritmos de inteligência artificial não existem sem a disciplina de estatística, por isso dizemos que um sistema baseado em IA não é determinístico e sim, probabilístico, em outras palavras um modelo estatístico não entrega uma exatidão e sim uma probabilidade. Dentre tantos, o modelo estatístico eleito como mais adequado para uma aplicação (predição), ainda assim, não quer dizer que o sistema tomasse voluntariamente uma decisão de fato, sem que um humano, em algum momento tenha parametrizado o sistema para que uma ação (decisão) possa ser tomada por superar um patamar de x por cento de “acerto”. Isso pode até estar automatizado, um padrão nos sistemas autônomos, mas continua não sendo uma ação “voluntária” do software.

As decisões de um sistema com IA será sempre melhor que a de um humano? A resposta é não, todo sistema precisa ter bons insumos para operar bem (bons dados) e de calibração (algoritmos). Aplicar a mesma regra em diferentes contextos dificilmente funciona. Chegar a um modelo ideal de aprendizado de máquina para um determinado cenário é algo personalizado, mas não necessariamente artesanal. Algumas soluções enquadradas como Auto ML são muito úteis em propiciar a não-estatísticos a aplicação de diversos modelos para que sejam comparados entre si e então existir a escolha de qual o deles é mais útil para determinada situação.

Porém, por mais que uma máquina seja muito eficiente para determinadas tarefas específicas (narrow AI), como analisar velozmente textos, vozes, figuras, identificar um padrão em volumes colossais de dados, executar de forma robótica movimentos repetitivos e precisos, as máquinas são desastrosas, péssimas com a imensa maioria de atividades que nós humanos desempenhamos bem. Somos edificados pelas experiências sensoriais e extrassensoriais as quais uma máquina ainda parece estar longe de traduzir isso em bits. Humanos têm habilidades extremamente complexas para uma máquina, combinamos nosso raciocínio lógico, com amplas funções motoras, órgãos do sentido, intuições, experiência diversificada adaptável a contextos, enfim uma condição ainda inimaginável para um ser robótico. E claro, existe um legítimo interesse e apelo existencial da nossa espécie, a perpetuação humana não pode estar sob ameaça.

Sobre o Autor

Carlos Eduardo Lamon

Arquiteto de Soluções para Automação de Processos Analíticos na RED Innovations